Hélio Moreira

terça-feira, 3 de novembro de 2009

CONSELHOS A DOSTOIEVSKI

O escritor, especialmente o romancista, na sua luta diária e infinda com os personagens das suas ficções, muitas vezes enfrenta impasses na definição de qual seria o melhor caminho a seguir diante de situações, paradoxalmente, por eles mesmos criadas.
Recentemente tive acesso ao livro “Meu marido Dostoievski” escrito, como o título enuncia, pela segunda esposa do imortal e, por muitos, considerado como o maior escritor russo de todos os tempos, Anna G. Dostoievskaia; embora o ritmo do livro não seja o desejado para uma biografia, pois a autora, quando o escreveu (1916) contava com 70 anos de idade e, provavelmente por isto, ela enveredou, também, para descrições autobiográficas, sua leitura proporcionou-me momentos de encantamento
Ao ler o prefácio, escrito pela jornalista Cecília Costa, confesso que fiquei com ciúmes de uma passagem que ela relata “em 1996, em Moscou, fui à casa da infância de Dostoievski, dentro da área do Hospital Maria”; quando também estive em Moscou em 1998 (Entre o sonho e a realidade, do Brasil dos anos 60 à Rússia dos anos 90, Ed. Kelps, Goiânia, 2001), tentei visitar aquela casa, porém, encontrei-a fechada ao público.
Voltando ao enfoque inicial do texto, dentre tantos episódios descritos pela autora do livro, constatei um que reputo muito interessante e até curioso: duas semanas após o casamento dos dois, (fevereiro de 1867) foi publicado em um jornal russo um artigo com o seguinte título “O casamento do romancista”, cujo texto, resumidamente, transcrevo a seguir.
“Aqui se fala muito sobre um casamento ocorrido em nosso mundo literário. Casamento que foi realizado de maneira bastante estranha. Um dos mais famosos romancistas, um tanto distraído e que não se destaca por grande esmero no cumprimento das obrigações assumidas com os editores de suas obras, lembrou-se, no final de novembro, que deveria escrever até o dia primeiro de dezembro um romance de pelo menos duzentas páginas, caso contrário seria submetido a uma multa altíssima. Faltando uma semana para o prazo fatal, o romancista, que já tinha o roteiro das principais cenas, contratou uma estenografa e começou a lhe ditar seu romance; andava de um lado para o outro, alisando constantemente os cabelos, tentando extrair daí, as idéias que precisava.
Envolvido neste sofrimento, o romancista nem percebeu que a estenografa contratada era, alem de bonita e jovem, impregnada de idéias modernas; com a aproximação do desenlace, surgiram dificuldades, pois o herói do romance era um viúvo de idade avançada, que se apaixonou por uma bela e jovem mulher.
Era preciso finalizar o romance, naturalmente, sem suicídios e nem cenas vulgares, as idéias não lhe vinham à cabeça, faltavam somente dois dias para entregar a obra, o autor já estava se convencendo a pagar a multa, quando sua auxiliar, que até então cumpria calada as suas obrigações, aconselhou-o a fazer com que sua heroína reconhecesse que também estava apaixonada.
Mais isto é completamente artificial! Exclamou o romancista, o herói é um velho solteiro como eu e a heroína está em plena juventude e beleza... como a senhorita.
Replicou a estenografa: A mulher sente atração pelo homem, não por sua aparência, e sim, por sua inteligência e seu talento.
O desenlace foi aceito e o romance entregue dentro do prazo”
Sabem quem era a estenógrafa? A autora do livro que estamos discutindo; naquela época Anna contava 20 anos de idade e Dostoievski 45.
Em quase todos os seus romances, como afirma a autora do livro, Dostoievski sempre pedia a sua opinião sobre determinada passagem, sobre algum diálogo entre os personagens e, sobretudo, perscrutava suas emoções durante a transcrição de determinados trechos do livro que estava lhe ditando.
Quando escreveu “Os irmãos Karamazov”, Dostoievski utilizou a casa de campo (Datcha Staraia Russ) que alugavam e posteriormente compraram, como modelo para a mansão onde “morava e foi assassinado” o velho Karamazov; aqui, provavelmente, Anna ajudou-o a recompor, literariamente, o ambiente tão seu conhecido.
Para concluir, uma curiosidade que pode ter passado despercebida por muitos leitores: Dostoievski, como ele mesmo afirma no diálogo com Anna, se considerava um velho com apenas 45 anos de idade.

4 Comentários:

  • Às 19 de novembro de 2009 às 13:59 , Blogger CHIICO MIGUEL disse...

    Meu Caro Hélio Moreira,
    Sou acadêmico da Academia Piauiense de Letras, correspondo-me com alguns acadêmicos daí. Li sua crônica sobre Dostoiévski e gostei muito, porque sou um apaixonado pela literatura dele. Gostaria de ler seu livro sobre a viagem (real) que você fez à Rússia.
    Aliás gosto muito dos seus textos, simples, informativos, serenos, bem escritos. Estou publicando Baú Literário, que me chegou em e-mail recente, em meu blogue http://abodegadocamelo.blogspot.com
    Veja lá se saiu bom e como está esse blog, bem meus outros dois: franciscomigueldempira e revistaciradinha
    Abraços
    Francisco Miguel de Moura

     
  • Às 15 de julho de 2010 às 22:45 , Blogger Francisco Antônio Vidal disse...

    A moça que dava conselhos ao escritor.
    Velho? Sim, ele disse "velho solteiro". Isso, para um solteiro de 45 anos, é ser muito velho. Já perdeu a esperança de ser visto como interessante por qualquer mulher, especialmente por uma de 20.
    Talvez um homem casado de 45 não se considere tão velho.

     
  • Às 26 de abril de 2016 às 22:37 , Blogger Unknown disse...

    Boa Noite ou melhor bom dia. Procurando algo sobre o Dr Orlndo Arruda do qual faço parte do Orquidário que leva o nome do mesmo, deparei-me com o nome do senhor. Acho que nem se lembra de mim ou talvez não tenha esquecido, meu nome é Patrícia neta da dona Dolva que trabalhaava no hospital das clinicas de Goiânia. Sou aquela criança que o senhor conhecia o choro ao longe, e devido uma doença rara na epoca pediu a minha vo que tirasse uma foto de recordação pois talvez não sobreviveria a uma cirurgia. Bom aqui estou eu aos 45 anos de idade, gozando de plena saude, isso graças ao senhor que na época desafiou a medicina para salva-me. venho hoje apenas para agradecer. Obrigado que Deus o continue iluminando. Parabéns por ser um apaixonado por orquídeas. Saudação Patrícia Pereira santana

     
  • Às 15 de janeiro de 2022 às 23:55 , Anonymous Anônimo disse...

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